Justiça decreta prisão preventiva e torna réu PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça
15/08/2025
(Foto: Reprodução) Guilherme e a irmã Natália em festa de aniversário no dia 28 de junho.
Arquivo pessoal
A Justiça de São Paulo aceitou a denúncia do Ministério Público e decretou a prisão preventiva do policial militar Fabio Anderson Pereira de Almeida, agora réu por assassinato de Guilherme Dias Santos Ferreira com um tiro na cabeça. Ele irá responder por homicídio qualificado e tentativa de homicídio. O crime ocorreu em julho, em Paralheiros, na Zona Sul.
Segundo a juíza Paula Marie Konno, que assina a decisão e o mandado de prisão, a conduta do PM é "inaceitável", que colocou em risco a vida de outras pessoas em via pública e que o delito causa "clamor público", exigindo resposta "rápida e eficaz das autoridades".
“O denunciado praticou crime gravíssimo, de natureza hedionda — homicídio qualificado consumado, com emprego de arma de fogo. Matou, pelas costas, um trabalhador que corria para pegar um ônibus, simplesmente por acreditar que ele poderia ser um roubador."
“Trata-se de um policial militar que, demonstrando total descompasso com sua honrada função pública, matou, pelas costas, um trabalhador desarmado e indefeso. O alto grau de periculosidade, evidenciado pelo modus operandi, impõe sua segregação cautelar para garantir a ordem pública e restabelecer a credibilidade das instituições”, escreveu a juíza.
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O PM Fábio Anderson será formalmente citado e intimado para apresentar sua defesa escrita em 10 dias, segundo a decisão. O g1 tenta localizar a defesa do PM.
Em comunicado, o advogado que representa a família de Guilherme afirmou que esse é somente o "primeiro avanço significativo rumo à responsabilização criminal do acusado".
Na quinta, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apresentou denúncia contra o PM, alegando que o agente atirou três vezes pelas costas da vítima, que não teve condições de se defender, e ainda feriu por acidente uma mulher que passava pelo local.
“O delito também foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, pois este foi atingido pelas costas, enquanto corria para pegar um ônibus, não podendo desconfiar que seria um alvo do denunciado”, afirmou o promotor.
Segundo a acusação, o crime foi praticado por motivo torpe, já que o policial teria disparado contra Guilherme “por um sentimento de vingança, por desconfiar que ele poderia ser um dos autores do roubo que havia sofrido momentos antes”.
A prisão preventiva foi solicitada porque, segundo o promotor, a liberdade do acusado representa risco às testemunhas e pode dificultar a coleta de provas. Se a prisão for determinada pela Justiça, por se tratar de crime doloso — quando há intenção de matar —, o policial não terá direito a fiança.
O crime
O PM estava de folga quando pilotava uma motocicleta pela Estrada Ecoturística de Parelheiros quando foi abordado por suspeitos que tentaram roubar sua moto. O agente alegou que teria confundido Guilherme com um assaltante, reagiu e atirou nele.
O marceneiro, que saía do trabalho e corria para pegar o ônibus de volta para casa, foi assassinado com um tiro na cabeça disparado por Fábio.
Segundo o boletim de ocorrência, foram encontrados com a vítima carteira, celular, remédios, livro, marmita, talheres e itens de higiene. Não havia nenhuma arma de fogo.
Foram encontrados com a vítima carteira, celular, remédios, livro, marmita, talheres e itens de higiene.
Reprodução
Quem foi Guilherme Dias
Conhecido entre colegas e familiares pelo comprometimento com o serviço e pela dedicação à família, o jovem atuava como marceneiro em uma fábrica de móveis há quase três anos.
Ao g1, Roberto Souza, tio de Guilherme, ressaltou que a família era muito unida e que se reunia frequentemente em momentos de fé e lazer.
"Nossa relação é muito próxima. Todo feriado que tem, a gente reunia a família com o Guilherme, a gente dava risada, a gente fazia churrasco. A gente cantava hinos, louvores, falava da palavra [de Deus], fazia jogos bíblicos, assim que era a nossa vida. Era não, ainda é porque tem que continuar. Mas com um vazio", disse.
Segundo ele, o sobrinho estava ajudando a programar o aniversário de 70 anos da avó. "A gente não sabe como que vai ser sem ele. Ela está muito abalada, já é o segundo neto que ela perde. O meu irmão perdeu um nenê recém-nascido recentemente. E agora é o Guilherme."
Guilherme e Larissa eram primos e cresceram no mesmo quintal, em Parelheiros, SP
Arquivo pessoal
No velório, amigos da igreja cantaram e homenagearam o marceneiro. "É só ver quantas pessoas estiveram. Ele era muito querido pela comunidade. É só olhar as imagens do velório."
Guilherme estava no segundo dia de trabalho após retornar das férias. Segundo relatos de sua família, ele costumava seguir sempre a mesma rotina: do trabalho para casa, da casa para a igreja, e da igreja para o trabalho.
"Nunca se envolveu com nada, era do serviço para casa, da casa para a igreja. Era sempre assim", contou à TV Globo Sthephanie dos Santos Ferreira Dias, viúva de Guilherme.
Na noite do crime, o marceneiro havia acabado de bater o ponto e avisou a esposa que estava indo embora. Ele mesmo publicou no status do WhatsApp uma foto do relógio de ponto à saída do trabalho.
A morte de Guilherme causou revolta e tristeza entre familiares e amigos. Sthephanie atribuiu a reação do policial ao racismo estrutural presente no caso.
"Só porque é um jovem negro, preto e estava correndo para pegar o ônibus, [ele] atirou. O que é isso? Que mundo é esse? Era o único jovem preto que estava no meio [do ponto] e foi atingido. A gente quer esse policial na cadeia, ele tem que pagar. Está solto, pagou a fiança que, para ele, não é nada."
Guilherme e Sthephanie completariam dois anos de casados em agosto. Eles tinham o sonho de ter filhos e planejavam viajar para comemorar a data.
"O sonho dele era ser pai. A gente estava fazendo tratamento para poder gerar um filho", contou a mulher.
"Ele estava pagando o carro dele, tirando a carteira de motorista e ia começar as aulas práticas. Também estava pretendendo conseguir um emprego melhor para sair mais cedo e receber melhor."
Na mochila, Guilherme carregava apenas um livro, marmita, talheres e a roupa de trabalho. Pouco antes do crime, ele avisou a esposa que já estava indo embora.
"Deu 22h e eu dormi, e do nada acordei às 2h. Olhei meu WhatsApp e tinha mensagem dele: 'Estou indo embora'. Às 22h38. [Eram] duas e meia da manhã e ele não tinha chegado. Ele nunca foi de chegar tarde em casa, sempre chegou no horário. Se ocorresse alguma coisa, ele me avisava", disse.
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