Tecnologia brasileira: entenda como ressonância magnética portátil vai usar IA para melhorar imagens e reduzir custos do SUS
Ressonância magnética portátil vai usar IA para melhorar imagens e reduzir custos do SUS
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) está criando o que pode ser a primeira ressonância magnética 100% brasileira no Sistema Único de Saúde (SUS). Com uma proposta portátil, ela promete reduzir custos, atender áreas remotas e oferecer diagnósticos precisos com a ajuda da inteligência artificial.
O protótipo é desenvolvido em Campinas (SP) e receberá um aporte inicial de R$ 8 milhões por meio do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), do Ministério da Saúde, que é voltado a tecnologias estratégicas para o país e poderá acelerar a chegada do equipamento ao mercado.
📡 Para entender detalhes sobre o funcionamento do projeto e como ele deve contribuir com a saúde brasileira, o g1 conversou com James Citadini, diretor de tecnologia do CNPEM e coordenador do trabalho. Nesta reportagem você conferir:
O que é uma ressonância magnética e como funciona
O que muda no aparelho de ressonância magnética do CNPEM
Como o aparelho vai contribuir com o SUS
Em fase está o projeto e como ele ajuda a valorizar a ciência brasileira
"Quando você começa a sair do estado de São Paulo, você encontra locais que são 230, 250 quilômetros que uma pessoa tem que andar para ter acesso a uma ressonância. Você começa a entender que o Brasil é carente disso. Ele depende exclusivamente da tecnologia importada, mas hoje estamos em um laboratório nacional que tem a tecnologia que pode ser aplicada para isso", diz.
O que é uma ressonância magnética e como funciona?
A ressonância magnética é uma ferramenta de diagnóstico por imagem que permite visualizar estruturas internas do corpo com muitos detalhes, especialmente tecidos moles, como cérebro, músculos, articulações e outros órgãos.
Os aparelhos tradicionais são máquinas bem grandes, pesadas e que precisam ser isoladas do ambiente. Eles funcionam a partir de princípios da física nuclear e do eletromagnetismo. Entenda a seguir:
o paciente deita no aparelho de ressonância e a parte a ser examinada é posicionada dentro de um ímã superpotente, que é resfriado em hélio líquido;
a ação desse ímã gera um campo eletromagnético que alinha os prótons de hidrogênio do corpo, que são partículas presentes dentro dos átomos;
o aparelho envia um pulso de radiofrequência que agita os prótons;
quando o pulso é desligado, os prótons voltam ao estado inicial e, nesse processo, emitem sinais de radiofrequência;
bobinas do aparelho de ressonância captam esse sinal, identificam onde está o sinal de cada molécula, e transforma em imagem.
O que muda no aparelho de ressonância magnética do CNPEM?
A ressonância magnética que está sendo desenvolvida pelo CNPEM promete simplificar algumas etapas desse processo e, para isso, contará com a ajuda da inteligência artificial. Entenda:
no lugar do ímã superpotente, entra a tecnologia de magneto permanente de baixo campo, que não exige uma estrutura tão grande e é mais barata;
ele não precisa ser resfriado em hélio líquido e gera imagens de forma parecida, também a partir dos pulsos de radiofrequência;
como o campo magnético dele é mais fraco, o sinal pode ser mais ruidoso e menos detalhado, gerando imagens de qualidade inferior;
mas é aí que entra a inteligência artificial: ela será usada para processar e melhorar a qualidade das imagens, fazendo uma reconstrução mais nítida;
o resultado é um exame com imagem boa e identificação de padrões que, sob a supervisão de um médico, podem proporcionar diagnósticos precisos.
O pesquisador explica que, quando o protótipo sair do papel, deverá contribuir com a saúde brasileira proporcionando:
custos de compra e manutenção mais baixos;
necessidade de menos espaço de armazenamento;
instalação simplificada e acessível;
portabilidade, podendo ser transportado.
A desvantagem pode estar na qualidade da imagem, que tende a ser inferior, devido ao baixo campo magnético, e que dependerá do uso da IA. Apesar disso, o pesquisador garante que será possível treinar modelos de inteligência para garantir um resultado eficiente.
"A inteligência artificial, quando treinada, consegue identificar padrões que o médico não conseguiria sozinho. O médico pode ver a mancha e não saber se é um tumor, se é erro da ressonância [...] Então, além de a gente melhorar a resolução, a gente também está usando modelos de inteligência artificial treinados para identificar padrões da imagem", explica James.
"O que a gente está fazendo é associando isso ao nosso equipamento, implantando isso desde o desenvolvimento do hardware do equipamento, e também no software dedicado para a reconstrução de imagens. Então, a gente está se beneficiando do boom da inteligência artificial e da capacidade de pessoas qualificadas".
Aparelho será portátil e poderá alcançar áreas remotas
O pesquisador explica que o aparelho foi desenvolvido para examinar extremidades, como braços e pernas. A tecnologia também poderá ser usada para fins além da saúde, incluindo a análise de produtos e alimentos adulterados, como forma de identificar fraudes.
No entanto, o principal objetivo, segundo James, é atender a uma demanda específica do Sistema Único de Saúde (SUS), levando o diagnóstico por imagem para áreas remotas e regiões que não possuem ressonâncias tradicionais.
“Há casos em que o paciente precisa viajar quilômetros até o hospital mais próximo com ressonância disponível. E mesmo quando o equipamento existe, há locais onde está parado por falta de recursos para operação”, explica o coordenador do projeto.
Em resumo, por ser mais compacto, o equipamento criado pelo CNPEM deve reduzir custo e simplificar a operação. O especialista pontua que as características foram pensadas para preencher uma lacuna existente em hospitais regionais, unidades móveis (ambulâncias) e unidades de atenção primária, principalmente, que ficam afastados dos grandes centros.
"O Brasil depende exclusivamente hoje dessa tecnologia importada, que é imersa em hélio líquido. Ele é um elemento escasso, extremamente volátil em relação a preço. Então, tem hospitais que tem ressonância, mas não conseguem manter isso em operação [...] o que o hospital faz hoje por falta de ressonância? Faz raio-x, mas ele não vê tecido mole. Vê se quebrou alguma coisa ou não".
"E por que ele não recomenda a ressonância ali? As vezes tem um aparelho só, que é caro, tem uma fila de pessoas pra usar. Acaba diminuindo a informação que o médico poderia ter para dar um diagnóstico correto".
Em que fase está o projeto e como ele deve valorizar a ciência brasileira
Atualmente existe um protótipo de tamanho reduzido com o qual os pesquisadores fazem testes em objetos e pequenos animais. A expectativa é, até 2027, um modelo um pouco maior que será usado em testes pré-clínicos. "A gente vai ter um médico começando a fazer exames em extremidades, daí vai ter um protocolo do que fazer, quais imagens, para testes em pessoas [...] depois eventualmente você começa a fazer estudos em pessoas de fato".
James ainda ressalta que, mesmo quando chegar ao mercado, a expectativa é que a tecnologia seja explorada por empresas brasileiras, garantindo a soberania e independência do país diante do projeto. "Eu acabei de voltar de uma conferência com várias empresas que estão desenvolvendo equipamentos equivalentes na Coreia, na China, nos Estados Unidos. Eu fui abordado por uma empresa americana que vende aparelhos de ressonância e o objetivo foi muito para tentar desencorajar a iniciativa, dizendo que é um mercado muito difícil", comenta.
"Eu acho que a ideia do CNPEM se envolver, o fato de que a gente detém do know-how [conhecimento] de ser um centro nacional, diminui o risco de ser comprada por uma empresa grande que vai matar a iniciativa. Um dos objetivos fortes nossos é esse, é garantir que seja nacional. A gente vai ceder, eventualmente, sem custo, para uma empresa explorar isso comercialmente, mas se uma empresa grande, internacional, quiser comprar e não for fabricar isso no Brasil, for tentar matar a iniciativa, a gente vai tentar achar e viabilizar uma outra empresa para criar como produto nacional".
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